Nove ovos de patos-mergulhão foram encontrados na Chapada dos Veadeiros, em Goiás. Este é o terceiro ano consecutivo que um casal da espécie se reproduz no ninho localizado na região do Rio Tocantinzinho. O que parece um fato extremamente corriqueiro é, na verdade, uma grande conquista para as pesquisas em conservação. A espécie está entre as criticamente ameaçadas e em perigo de extinção na lista vermelha da União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN) e a do Ministério do Meio Ambiente.
Para tentar proteger a espécie, uma rede formada por ONGs, organizações governamentais, universidades e instituições – que integram o Plano de Ação Nacional (PAN) do Pato-Mergulhão, coordenado pelo CEMAVE/ICMBIO –, promove pesquisas, faz buscas em campo e contribui com a criação de políticas públicas e ações prioritárias para salvaguardar a espécie e seu habitat. Segundo especialistas, estima-se que no mundo restam apenas entre 215 e 250 aves livres na natureza, sendo que a espécie só é encontrada hoje no Brasil.
Pesquisadores do projeto “Evitando a extinção do Pato-mergulhão no Corredor Veadeiros Pouso Alto Kalunga”, responsáveis pela descoberta dos nove ovos encontrados na APA Estadual Pouso Alto, comemoram e fazem novas expedições para mapear potenciais áreas com a presença da ave.
Até onde se pôde apurar, esta é a primeira vez que se registra uma postura de nove ovos do pato-mergulhão. Destes, oito eclodiram e três filhotes sobreviveram.
“As primeiras duas semanas de vida dos filhotes do pato-mergulhão são extremamente críticas. A mortalidade por causas naturais é elevada. Se conseguirmos reduzir este índice, teoricamente, podemos aumentar o nível populacional com maior rapidez”, explica Gislaine Disconzi, a especialista em conservação de aves aquáticas e coordenadora do projeto.
“O terceiro ninho mundialmente conhecido da espécie foi localizado na Chapada dos Veadeiros em 2005, no Rio dos Couros. De lá para cá, foram detectados outros nove ninhos. A grande notícia desta vez é a utilização do ninho por mais de uma estação, com sucesso”, explica Paulo Antas, o coordenador, pela Fundação Pró-Natureza (Funatura), do Programa PAN Pato-Mergulhão e membro da Rede de Especialistas em Conservação da Natureza (RECN).
Bioindicador da qualidade das águas
Embaixador das águas brasileiras, o pato-mergulhão (Mergus octosetaceus) vive e se reproduz somente em ambientes conservados, perto de águas de rios muito limpos e encachoeirados. Sendo o único pato brasileiro alimentando-se exclusivamente de peixes e larvas de insetos aquáticos, depende da boa visibilidade embaixo d'água para mergulhar e pescar, daí a origem do nome. A boa condição de sobrevivência da ave é, portanto, um indicador biológico da qualidade das águas.
A crescente poluição que atinge os cursos d’água no Brasil, as mudanças causadas por projetos hidrelétricos e o assoreamento dos rios são fatores que impactam a sobrevivência da espécie. A pequena população de pato-mergulhão vive em um ambiente muito restrito. Para os pesquisadores, as descobertas mapeadas indicam um bom estado de conservação e equilíbrio do ecossistema na região da Chapada dos Veadeiros.
Os principais rios de ocorrência da espécie continuarão a ser monitorados. De acordo com Gislaine, a ideia agora é continuar a analisar a qualidade físico-química da água para avaliar quais os limites aceitáveis para a conservação do pato-mergulhão. O objetivo é avaliar o impacto nas águas de atividades como a agricultura, a pecuária, a urbanização e o turismo. O projeto conduzido por ela e pelo Instituto Amada Terra de Inclusão Social (IAT) tem financiamento do CEPF Cerrado.
Outra ação desenvolvida a favor da ave é o Programa Pato-Mergulhão, coordenado pela Funatura. Além de prospectar potenciais áreas com a presença do pato-mergulhão, a iniciativa, que conta com o apoio da Fundação Grupo Boticário de Proteção à Natureza, pretende atualizar o censo populacional da espécie nos rios com histórico recente de presença, mas sem avaliações nos últimos 10 ou 20 anos; e indicar novos locais para uma futura reintrodução da espécie na natureza, a partir do sucesso reprodutivo da população mantida em cativeiro.
“A má qualidade da água em rios tem comprometido a sobrevivência do pato-mergulhão. Precisamos urgentemente identificar e proteger localidades em que a espécie tem chances de habitar para que ela resista e se multiplique”, afirma Robson Capretz, o coordenador de Ciência e Conservação da Fundação Grupo Boticário.
Descoberta também em Minas Gerais
Outro destaque para a espécie foi a descoberta, em setembro deste ano, pelo Instituto Terra Brasilis, de uma família de seis patos-mergulhão juvenis, na bacia do Rio Araguari, ao norte do Parque Estadual da Serra da Canastra, no sul de Minas Gerais. Essa região, em conjunto com a bacia do Alto Rio Paranaíba, também em Minas Gerais, abriga a maior população atual de patos-mergulhão, cerca de 150 exemplares.
“Encontrar seis indivíduos que já passaram pela fase crítica inicial é uma contribuição muito importante para a preservação da espécie”, comemora Antas.
Sobre a Fundação Grupo Boticário
Com 30 anos de história, a Fundação Grupo Boticário é uma das principais fundações empresariais do Brasil que atuam para proteger a natureza brasileira. A instituição atua para que a conservação da biodiversidade seja priorizada nos negócios e em políticas públicas e apoia ações que aproximem diferentes atores e mecanismos em busca de soluções para os principais desafios ambientais, sociais e econômicos. Protege duas áreas de Mata Atlântica e Cerrado – os biomas mais ameaçados do Brasil –, somando 11 mil hectares, o equivalente a 70 Parques do Ibirapuera. Com mais de 1,2 milhão de seguidores nas redes sociais, busca também aproximar a natureza do cotidiano das pessoas. A Fundação é fruto da inspiração de Miguel Krigsner, fundador de O Boticário e atual presidente do Conselho de Administração do Grupo Boticário. A instituição foi criada em 1990, dois anos antes da Rio-92 ou Cúpula da Terra, evento que foi um marco para a conservação ambiental mundial.